terça-feira, março 24, 2009

A sala de aula é dispensável

Richard Crisóstomo Borges Maciel postou, na lista da ABEDi, a ementa de uma decisão do STJ (ver abaixo) que só reforça a idéia de a sala de aula é dispensável no ensino do direito. No mínimo, refaz a pergunta: Qual é a função da sala de aula no ensino em geral? E no ensino jurídico, em particular?

No ensino tradicional, os alunos aprendem quando lêem em casa a doutrina que os professores professam. No melhor ensino jurídico, os alunos aprendem em grupos de pesquisa, ao debaterem as leituras que fizeram, ou em projetos de extensão, que possibilitam o teste de seus conhecimentos teóricos em situações concretas. Em qualquer caso, a aprendizagem não é feita em sala de aula.

Diante dessa constatação, temos dois caminhos a tomar: revalorizar a sala de aula como espaço de aprendizagem ou aboli-la.

Cláudio de Moura Castro é um defensor da sala de aula. Não da sala de aula tradicional, que trocou a lousa por power point e os cadernos por notebooks, e que ainda é planejada segundo concepções de ensino do séc. XIX. (por exemplo: confundir a ‘ordem lógica dos conteúdos’ com a ‘ordem didática’). A aula tradicional – a iguana do ensino – está disponível para aqueles que procuram tornar significativo seu encontro com os alunos, e que buscam torná-lo indispensável. (Assista à palestra aqui).

Pedro Demo declarou-se, em palestra no Programa de Qualificação Docente do UniRitter, um abolicionista da sala de aula. Ele defendeu o objetivo de um curso superior deveria ser a formação de indivíduo autor de seu próprio conhecimento. Isso seria ainda mais importante na formação de professores: como esperar que o professor auxilie o aluno a tornar-se autor, se ele mesmo é mero reprodutor de conhecimentos? A eclosão de um eu autor não se dá na sala de aula tradicional. Para marcar sua posição, ele descreveu um curso inteiramente organizado em forma de projeto de pesquisa (como método de ensino), com reduzido tempo de sala de aula, que só funcionaria se os alunos fossem ativos na pesquisa e na maturação dos resultados, apropriando-se do conhecimento.

Voltando à decisão, se a regra da frequência obrigatória (art. 47, § 3º, da LDB) fere um dos fundamentos de nosso estado democrático de direito, ela é inconstitucional e não deve ser aplicada em nenhuma escola do país. Não se trata de fundamentar o abono de faltas na ‘dignidade humana’ porque, se a exigência de frequência fere a ‘dignidade humana’, então todos os alunos que foram obrigados a frequentar aquela disciplina também tiveram sua dignidade violada, vez ou outra, quando tiveram falta assinalada por não comparecer à escola por razões tão plausíveis quanto os da autora da ação. Mas não é disso que se trata.

A ratio decidendi do caso é bem mais simples, conforme as partes grifadas pelo próprio relator: se o aluno demonstrou conhecimento, logo sua presença é dispensável. Máxima essa que rege a prática de muitos professores mas que raramente é defendida abertamente. Tenho que concordar a ratio do magistrado e com a prática dos professores, se estivermos tratando de uma aula meramente informativa, pois os alunos podem ser melhor informados por vários outros meios além da exposição em sala de aula. Se este for o caso, realmente, esta e outras salas de aula são dispensáveis. E isso é um fato consumado.

Ementa:
"A universidade recorrente sustenta que, para ser considerado aprovado, o aluno deverá conjugar, simultaneamente, a frequência e a média de notas; o regime especial permite ao aluno tão somente compensar sua ausência à sala de aula pela realização de trabalhos, os quais deverão demonstrar que o acadêmico assimilou os conteúdos; a instituição possui o dever legal de corrigir os trabalhos para detectar se o aluno possui capacidade de dar continuidade aos estudos e, por fim, pretende a recorrente seja a aluna reprovada em determinada disciplina do curso de Direito. Porém, a Turma negou provimento ao recurso ao argumento de que o abono de faltas ou a concessão de regime especial de trabalho domiciliar ao aluno acometido de enfermidade que impossibilite sua frequência às aulas são regras de Direito Administrativo, cuja interpretação, mercê da proteção do interesse público, privilegia valores constitucionais elevados, como o da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade da norma. Vedar a extensão desse benefício ao aluno que se ausentou para tratamento de saúde conspiraria contra a ratio essendi da tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/1996), bem como da Lei do Procedimento Administrativo (Lei n. 9.784/1999) e do princípio da razoabilidade. O trabalho exigido pelo tratamento especial não tem o intuito de avaliar o conhecimento obtido, que é feito mediante avaliações, mas substituir as faltas da acadêmica, conforme o art. 2º do referido DL. Para o Min. Relator, a aluna obteve notas aptas a aprová-la, sendo um contrassenso sua reprovação por ausência de comprovação de sua capacidade intelectual de aprendizado da matéria. In casu, mostra-se incontroverso que a liminar positiva foi deferida em 20/1/2006 e a sentença concessiva da segurança data de 5/8/2006, resultando na matrícula da recorrente no 4º período do referido curso, o que se somaria à razoabilidade, levando à aplicação da teoria do fato consumado. Precedentes citados: REsp 686.991-RO, DJ 17/6/2005; REsp 601.499-RN, DJ 16/8/2004; REsp 584.457-DF, DJ 31/5/2004, e REsp 611.394-RN, DJ 31/5/2004. REsp 1.044.875-PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/3/2009."

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Voltar