sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Belo Monte - Belém



Numa manhã de inverno eu andava pelas ruas de Belém do Pará. Encontrei um grafitti com uma imagem de um sujeito de gravata segurando um índio pelo cabelo. O índio está em lágrimas. Ao olhar melhor vi que ao lado deles havia uma criatura de máscara se defendendo da poluição. Olhei para cima e dei cara com outdoor.

Atravessei a rua notei o conjunto da obra. O artista protesta contra Belo Monte e o slogan publicitário parece apresentar o argumento a favor: "Há 15 anos pensando e construindo o futuro."

Algumas horas depois, conversando com professores sobre métodos de ensino, fui questionado por uma professora de história: "Como apresentar Belo Monte para os alunos sem tomar partido? Cada narrativa tem um ponto de vista e revela seu autor..." Eu prontamente lhe mostrei as fotos e disse que eu abriria o debate com as fotos e suscitaria interpretações inicialmente sobre o grafitti, depois sobre o outdoor e por fim sobre o conjunto da obra.



No final da noite me dei conta do óbvio! O texto do caso sobre Belo Monte pode ser montado com um mosaico de narrativas conflitantes... Mas aí já era tarde e meu voo já tinha decolado de volta ao sul.

sexta-feira, outubro 01, 2010

Reading Cavell

Finalmente baixei 'The Claim of Reason' e tirei 'Must we mean what we say' da estante. Procurei 'Esta América nova, ainda inabordável' por todo o lado e não encontrei. Devo ter emprestado para sabe-se-lá-quem, sabe-se-lá-quando. No armário com poeira de uma década estavam minhas notas do curso do Faria, minhas fichas do livro, as leituras...

Fiz uma busca na Estante Virtual e não encontrei um só exemplar na cidade do Rio de Janeiro. Será que não leêm Cavell aqui no Rio? Ou quem lê gosta tanto que não se desfaz? Liguei para o sebo Leonardo da Vinci:
- Tenho um sim.
- Quanto custa?
- R$35,00
- Opa! Esse é o preço do livro novo.
- É novo. Tá aqui desde 97...
- Não, obrigado.

Na lista de sebos da Estante achei um único exemplar no estado do Rio, em Niterói. Conversei com um colega que mora lá e ele me trouxe no dia seguinte o livro perdido de dez anos atrás. Vamos ver o que consigo tirar dele agora.

Cosmopolitan Greetings by Allen Ginsberg

Stand up against governments, against God.
Stay irresponsible.
Say only what we know & imagine.
Absolutes are coercion.
Change is absolute.
Ordinary mind includes eternal perceptions.
Observe what's vivid.
Notice what you notice.
Catch yourself thinking.
Vividness is self-selecting.
If we don't show anyone, we're free to write anything.
Remember the future.
Advise only yourself.
Don't drink yourself to death.
Two molecules clanking against each other requires an observer
to become scientific data.
The measuring instrument determines the appearance of the
phenomenal world after Einstein.
The universe is subjective.
Walt Whitman celebrated Person.
We Are an observer, measuring instrument, eye, subject, Person.
Universe is person.
Inside skull vast as outside skull.
Mind is outer space.
"Each on his bed spoke to himself alone, making no sound."
First thought, best thought.
Mind is shapely, Art is shapely.
Maximum information, minimum number of syllables.
Syntax condensed, sound is solid.
Intense fragments of spoken idiom, best.
Consonants around vowels make sense.
Savor vowels, appreciate consonants.
Subject is known by what she sees.
Others can measure their vision by what we see.
Candor ends paranoia.

Kral Majales
June 25, 1986
Boulder, Colorado


Tkx to American Poets

segunda-feira, julho 05, 2010

OTFF - Tango Rock

Nada melhor do que um tango nostalgico para amargar as desclassificações de Brasil e Argentina na Copa 201o, certo? Errado.

A Orquestra Tradicional Fernandez Fierro só é tradicional no nome. É tradicional porque os instrumentos são os tradicionais: quatro bandoneons, baixo, cello, duas violas, dois violinos e piano, um cantante. O resto é tango recriado na sua maior fúria e agressividade passando pelo rock e pela atonalidade. A OTFF assustou muitas cabeças brancas que foram à Sala Baden Powell para ouvir Gardel, Troilo (ao lado) e, no máximo, Piazzolla. Também surpreendeu quem esperava um tango lounge. Mesmo as composições em parceria com o Bajo Fondo seguem o nervosismo e o peso que marca o trabalho da orquestra/banda.



(sérios problemas com o vídeo. Veja no youtube)

O estilo já foi chamado de tango 'punk', tango experimental, etc. Eu decidi chamar de tango rock. Todos sabem que depois de Gardel vem Troilo e Piazzolla. O que eu não sabia era o que vinha depois disso...

sábado, julho 03, 2010

Brahms 8 Klavierstücke op. 76 no 1

Ouvindo e tentando entender:



Partitura aqui

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sexta-feira, junho 18, 2010

Brasil 2 x 1 Coréia do Norte

Antes tarde do que depois do segundo jogo. Não tenho opinado sobre futebol por aqui porque tenho seguido o conselho de Nick Hornby. No início do livro Febre de Bola, o personagem narrador admite que logo depois de acordar já está pensando em futebol. Quando perguntado 'no que está pensando?', mente. Mente por medo de ser considerado insano e ser cortado do contato com o mundo dos seres humanos normais. Durante a Copa do Mundo, o multiprocessamento de tudo o que é precisa dar conta na vida cotidiana é sobrecarregado pela enorme quantidade de expectativas e emoções que fervilham a cada dia. O fuso horário da África do Sul ainda complica essa situação. Temos jogos das 8:30 até as 18, seguidos da repercussão e dos vts de cada uma das partidas. Parece que a Copa tem o dobro da duração. Como os jogos são durante o horário de trabalho, não há possibilidade de assistir sequer um jogo ao vivo. Quando se chega em casa já se tem pré-selecionado os vts que se quer (precisa) assistir. Mas vamos à Seleção e ao primeiro jogo.

Quanto à convocação, não encontro explicação para a convocação de Kléberson e não termos um reserva para Kaká. Quantos bons armadores poderíamos convocar? Um velho? Ronaldinho Gaúcho; um novo? Não sei. Ganso já estava machucado e foi operado hoje. O que é inegável é que Kaká já não estava bem o ano todo e ainda não está bem.

Na estréia, a Seleção jogou num esquema de estranha simetria: 1-2-4-2-1. Julio César de um lado e Luis Fabiano no outro; os dois zagueiros são Lucio e Juan e os dois armadores são Elano e Robinho. Nosso meio é formado por Maicon, Gilberto Silva, Felipe Melo e Michel Bastos. Além de ser um palíndromo perfeito, não há muito a elogiar nessa formação. Vocês devem ter notado, são só 10 jogadores. De fato. Kaká estava em qualquer lugar e em nenhum lugar. Contra a Coréia, jogar com um a menos, não faz muita diferença mas contra a Costa do Marfim e contra Portugal não poderemos nos esse luxo.

Dunga foi alçado a técnico da Seleção Brasileira justamente para quebrar um ciclo vicioso que nos levou a duas derrotas para França. Na primeira derrota, na final do mundial, Ronaldo foi escalado após ter sofrido convulsões. Não só não estava em condições como também deixou todos os colegas preocupados. Claro que eles foram melhores, mas nós também colaboramos. A segunda derrota para a França foi o fim de uma convocação que levou vários jogadores fora de forma para, quem dera, entrar em forma durante o mundial. Ao dar poder a um técnico chamado de 'surdo', 'insensível', etc, para fazer conduzir o trabalho de preparação e a convocação de uma forma diferente, era de se esperar que a lição 'Copa não é lugar para experiências' estivesse já marcada a fogo na CBF. Mas parece que não. Kaká ainda chegou e não se sabe se chegará. E se ele não chegar, teremos que improvisar porque não levamos ninguém para o seu lugar.

Sou gaúcho mas não sou dungista, sou brasileiro mas não sou cego. Mesmo assim, torço pela Seleção, torço para que Kaká enfim chegue à África do Sul e torço para estar errado. Que a história não se repita.

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domingo, maio 23, 2010

Theatro Municipal de volta ao povo

As obras de restauração do Theatro Municipal estão quase prontas e este final de semana todos os detalhes dourados da fachada foram retocados: sábado, ao meio-dia, lia-se 'Theatro Mu' em dourado, seguido de 'nicipal' mais opaco. Os guindastes e andaimes ainda cercam o prédio mas não atrapalham a entrada.

No domingo, às 11 da manhã, Clara e eu fomos assistir um Tributo a John Williams prestado pela Orquestra Sinfônica Brasileira. Nossa expectativa era assistir Darth Vader regendo a orquestra, como já havia acontecido antes. Preço popular: R$1,00. Depois de uma hora de fila, finalmente entramos. Assim que sentamos, notei o estofamento e o novo piso. Faltavam 15 minutos para começar o espetáculo. Uma senhora, ao meu lado, abriu uma sacola de supermercado e sacou um pacote de bolacha recheada e começou alimentar um menino de não mais de quatro anos. Quando eu disse, em voz baixa, 'o que é isso?!?', Clara me informou 'é Trakinas, pai'. Minha vizinha já esfregava as mãos verticalmente para deixar cair os farelos. Não demorou muito para o rapaz que estava ao lado da Clara abrisse seu saco de amendoim caramelado. Isso me lembrou a primeira vez que fui a um concerto no Municipal. Era uma quinta-feira à noite. Saí apressado do trabalho para o metro e do metro para o Theatro, em jejum. Sentei ao soar da segunda trombeta. Ao meu lado, uma mulher tirou um sanduiche da bolsa e começou a roer. A música já tinha começado quando ela terminou.

Várias vezes fui distraído da música por temor de danos ao Theatro: pés no estofamento, garrafas de água passando de um lado para outro, carrinhos de brinquedo riscando o encosto...

O Theatro hoje voltou ao povo - um público faminto que, quando pode, vem matar a sua fome e comporta-se como se estivesse assistindo a algum programa de auditório 'na casa da sogra'.

Quanto ao espetáculo, só posso dizer que as trilhas fazem reviver as emoções que vivemos no cinema. Desde os primeiros acordes de Superman, eu já estava emocionado. As crianças não acompanharam Tubarão, A Lista de Schindler, nem Indiana Jones mas adoraram Harry Potter.

Quando a orquestra tocou a Marcha Imperial de Star Wars sem Darth Vader na regência, Clara começou a me castigar: Pai, cadê o Vader?. Tivemos o tema de Leia, de Yoda. E a cada 'pai, cadê o Vader?', a tensão aumentava. Lá pela quinta vez, eu apontei para o Nick Ellis e disse: 'filha, olha lá aquele cara com a menininha no colo, tá vendo? Ele é jedi'. Ela prontamente retrucou: 'Não é não. Ele não tem sabre de luz.' A coisa estava feia para o meu lado, depois de hora e meia de fila e duas horas de espetáculo. As luzes finalmente se apagaram e começamos a ouvir o resfolegar cada vez mais alto. Depois ouvimos: 'you don't know the power of the dark side'. Darth Vader e um clone entravam pela platéia e se dirigiam ao palco. Apoteose. Adultos e crianças fascinados.

No final, saímos correndo, felizes mas famintos, à procura de um restaurante na zona sul.

sábado, maio 01, 2010

Serafina Ajalla Retamozo

Mãe

O céu é o mesmo na estância.

Apojos de lua gorda
Cada vez engordas mais.

Na vida rasguei saudades
nesta distância de ti.
Fatias de céu perseguem
teus rumos dentro de mim.

Remenda meus sonhos, mãe!


Quitanda

Minha mãe faz nas quitandas
meia lua de pastel.

Vou para o céu das carreiras,
do meu balaio de vime
vendo luas a granel.

Pés de moleque - são luas
estreladas de amendoim.
Quitanda - céu de doçura
da minha infância sem fim.
Tanta estrela! Tanta lua!
- nenhuma estrela pra mim...


(dois poemas do livro Lua Andarenga, de José Hilário Ajalla Retamozo, publicados em 1957)