sábado, fevereiro 25, 2006

InterNacional - Ludopédio


O próprio ingresso já mostrava: Inter x Nacional, sem se preocupar em mostrar que o nome completo do Internacional já abarcava o adversário. E o jogo foi assim, um time abafando o outro.

36 anos depois da nossa última vitória em Montevidéo; 26 anos depois da derrota na final da Libertadores; já era tempo.

Jogamos o melhor futebol da América por uma noite, e isso já é suficiente. É impossível jogar sempre assim? Não faz mal. Se acontecer de vez em quando, sempre teremos nossa esperança renovada...

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Colorblind(ness) e Democracia Racial

Em debate com a Margarida sobre os conceitos de colorblind(ness) e democracia racial, chegamos a algumas conclusões interessantes. Ambas servem para dizer que não há discriminação. No entanto, os quadros teóricos que lhes dão amparo são totalmente diferentes e, portanto, suas conseqüências são totalmente distintas. Enquanto a primeira é eminentemente jurídica, a segunda é sociológica. Defender que o direito americano era cego em relação à cor não implicava dizer que a sociedade americana não a distinguia marcadamente. No caso brasileiro, afirmar que vivemos em uma democracia racial é um apelo sociológico, destacando que a sociedade brasileira não faz distinções raciais; ao contrário de nosso direito que nunca foi colorblind no que diz respeito a promover a segregação racial, principalmente as citações do Teixeira de Freitas e do Lourenço Trigo de Loureiro.

Os americanos elaboraram judicialmente a necessidade de curar sua cegueira à cor para poder modificar as situações reais de discriminação.

Nós, brasileiros, temos que superar o mito da democracia racial para poder consubstanciar algumas ações sociais que tenham o Direito como instrumento importante na redução dos efeitos da segregação oficial.

Abolir a escravatura foi o fim da segregação legal e o início de um suposto liberalismo que não levava em conta que alguns tinham partido de O (zero) enquanto os outros já estavam a 1000 (mil). A segregação social continua até hoje, quando olhamos nossa elite, um mar de leite, temperada com gotinhas de café, aqui e ali, para ‘dar uma cor local’, só para usar uma expressão tão cara aos criadores de mitos...

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Corrente Literária - Literaturnost

A corrente, mandada pela Fal para as MMs, devidamente copiada pela MI, funciona assim:
1. Pegue o livro mais próximo de você
2. Abra o livro na página 23
3. Ache a quinta frase
4. Poste o texto em seu blog junto com estas instruções

"Preparamos cerveja e aguardente,
Colhemos lenha para o inverno,
Palestramos ao pé do fogo,
Conversamos nas esquinas,
Falamos nem sempre aos cochichos,
Vivendo e a meias vivendo."

(Assassínio na Catedral, Parte I, Coro.
T.S. Eliot. Obra Completa. Vol II - Teatro. Trad. Ivo Barroso)

P.S. Se fosse a página 22 do mesmo livro, seria assim:

"We have brewed beer and cider,
Gathered wood against the winter,
Talked at the corner of the fire,
Talked at the corners of streets,
Talked not always in whispers,
Living and partly living."

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Bunker



Dorme descoberto pela fraca luz que invade o refúgio não escolhido.
Eles não vêm, nunca vieram aqui, e isso não significa nada.
Noutro tempo eles fizeram o que não deveriam ter feito.
Nunca te acharam, mas isso não importa pois tu ficaste sabendo e, por isso, a tristeza inerte, fora do tempo, em qualquer lugar, te aprisiona.
Mais um pouco de luz descobre teu corpo, mas igual, não faz diferença...

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Um estudante de filosofia - Philo pq Kilo

por Gabriel Perissé*

Conheci recentemente um verdadeiro estudante de filosofia. Chama-se Osmair Camargo Cândido. Profissão: coveiro no Cemitério do Araçá (zona oeste de São Paulo). Aluno da Universidade Mackenzie (bolsista), instituição em que já trabalhou como faxineiro. Aprendeu sozinho a ler em inglês e alemão.Freqüentador assíduo da biblioteca. No dia em que o encontrei,estava lendo um estudo sobre Hegel.

Durante 20 anos, entre mais de 400 mil túmulos, aprendeu o que é a vida. Escreve uma literatura que não sei qualificar. Carioca da gema, olhar em contínua admiração, mora em São Paulo porque precisa sobreviver. Mas viver é outra história, viver é ler, pensar e escrever.

Bisneto de escravo (e a bisavó era indígena), terminará a sua graduação no ano que vem. Pretende estudar a obra de Sören Kierkegaard em instituição dinamarquesa. Professor voluntário (de redação) no Capão Redondo, bairro da zona sul, argumenta: "do que têm medo muitos que se dizem 'solidários' e 'cristãos', mas não fazem o que eu, que creio pouco, faço por consciência do dever?" E continua, enquanto subimos uma ladeira em direção à estação do Metrô: "A liberdade está em fazer aquilo que se deve fazer." Ele é kantiano num Brasil tão pouco iluminista.

O conhecimento lhe traz a felicidade dolorida que ambientes rarefeitos não experimentam mais. "Sempre soube que a filosofia entraria na minha vida." Estamos dialogando como nos tempos em que se acreditava na busca da sabedoria. E ele me pergunta: "Você aceitaria ter todo o dinheiro do mundo e apenas mais três dias de vida?" Minha resposta é rápida. Nego o dinheiro, e me agarro à vida. Osmair denuncia meu egoísmo. Se ele, Osmair, tivesse no bolso todo o dinheiro do mundo, o distribuiria com justiça entre as pessoas e seria o homem mais feliz da terra por saber exatamente quando chegaria a Inevitável. Quem diria, ele também é estóico.

"A verdade atrai... e a mentira possui." Estou lendo Osmair ou Nietzsche? Tomando café num barzinho repleto de estudantes universitários (gritos... gargalhadas...), o pensador observa. Com tristeza e ironia, murmura: "não vejo nenhum livro entre os copos..."

Não consegui dormir na noite posterior à conversa com Osmair. Fiquei chocado por encontrar um verdadeiro estudante de filosofia. Seu realismo, seu amor às idéias, sua sinceridade total me fizeram pensar.

Pensar em carne viva tira o sono de qualquer um.

*autor do livro Elogio da Leitura (Editora Manole)