sexta-feira, maio 19, 2006

Feliz, Insuportavelmente

Aos poucos a luz perde o resplendor.
O rio sabe a sangue, e ninguém sabe.
É a derradeira chance de me ver
pela primeira vez inteiro: cara a cara.
Simplificar prefiro. Por que hesito
em revelar as águas escuras
que me percorrem, essas onde moram
peixes cinzentos, surdos, que me sabem?
Dizer me basta que não cometi
o pecado maior do homem:
o de não ser feliz (O juízo é de Borges,
que era cego, mas descobriu a rosa
escondida no coração da moça.)
Eu vi o fundo de um lago de esmeraldas.
Fui feliz, insuportavelmente.
As desgraças que duras me feriram
nada foram (contando a de existir)
ao lado dos milagres que vivi,
dos mágicos momentos que inventei.
Não é preciso ir longe. Numa noite
de ardente primavera viajei,
abraçado aos cabelos desvairados
que me ensinavam o cântico dos cânticos,
pelo mar dos espaços siderais.
Voltei intacto. Parece que passaram
eternidades.
Sozinho agora sou: perante mim,
ou entre mim e a noite que me chama,
espaço em que mal cabe o que escondi.
E mais de meio século de festa,
de lágrimas, de assombro, de ternura,
inútil se resume na fagulha
fugaz do tempo em que meu ser total,
resíduo de memórias, já se adere
– imperceptível –
ao silêncio noturno da floresta.

(Thiago de Mello)

3 Comentários:

At 19 maio, 2006 14:18, Blogger Gláucia disse...

Leeeeeeeeendo. Ainda mais pra quem conhece o silêncio oculto na floresta.

 
At 19 maio, 2006 17:12, Anonymous Anônimo disse...

Cara! Que poema maravilhoso!

 
At 21 maio, 2006 02:04, Blogger Rogério B. Alves disse...

Willkomen

Rosa e Margarida, flores perfumando o ambi-ente.

 

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